“A festa das Maias continua lindíssima” na cidade de Beja

Desta vez, as flores colhidas no campo suplantam as de plástico no adorno das crianças que, numa festa dedicada à deusa Maia, comemoraram o despertar da natureza e a fertilidade.

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A tradição romana da Festa das Maias cumpriu-se esta sábado, em Beja Carlos Dias
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Pela primeira vez, a comemoração das Maias, um dos rituais mais expressivos do ponto de vista da história religiosa antiga, não contou com a presença de Florival Baiôa, o seu mentor e dinamizador, que morreu no passado mês de Fevereiro.

Mesmo assim, e quando alguns já antecipam o fim das Maias, a “festa continua lindíssima e não morreu”, destacou Jorge Serafim o novo presidente da Associação de Defesa do Património de Beja (adpBEJA), entidade organizadora do evento.

A manhã deste sábado apresentou um dia quente e com céu limpo, acolhendo, numa das ruas mais movimentadas de Beja, 17 crianças vestidas de branco, adornadas pelas mães e avós de coroas e colares de flores silvestres, que sentadas nos seus tronos, pediam a quem passava com a ladainha que mais identifica as Maias em Beja: “uma moedinha para a Maia que não tem saia”. Já não é ditada pelas necessidades básicas, como há muitas décadas. Nem as pequenas Maias conseguiam ficar quietas nos seus tronos, como antigamente. Cirandavam pelo espaço da festa, rodeando quem passava e implorando, sorridentes, um "tostãozinho" ou uma "moedinha" para colocar no cestinho de vime que foi acrescentado ao ritual.

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A “festa continua lindíssima e não morreu”, garantiu o presidente da associação organizadora do evento Carlos Dias

Margarida, de 6 anos, mantinha-se quase imóvel no seu trono quando o PÚBLICO lhe perguntou o nome e a idade. Estava com algum frio ao início da manhã, mas sorria e distribuía giestas e malmequeres, com ou sem moedinha, a todos os que a fotografavam ou lhe pediam uma flor.

O pai aproximou-se autorizando a continuação do diálogo com a criança: “Esteja à vontade”. É a segunda vez que a criança participa nas Maias. Está rodeada de giestas, flores amarelas colhidas à beira de estradas e caminhos rurais, malmequeres, também amarelos e brancos, e pétalas de papoilas. “Fui eu que pedi aos meus pais para estar aqui”, confidencia a criança num sumido tom de voz.

No trono que se seguiu, Alexandra, 7 anos de idade, vestiu-se pela primeira vez para a festividade das Maias quando tinha um ano e quatro meses, explicou, orgulhosa do feito, a mãe, que por sua vez também ocupou o trono das Maias quando foi a vez dela, em criança. “Na véspera do dia da festa íamos apanhar malmequeres e fazíamos a coroa que as meninas colocavam na cabeça”, recorda.

A avó de Alexandra conta que, na sua família, as meninas já se vestiam de Maia mesmo quando não havia exposição pública. Moedas de 20 e 50 cêntimos e de um e dois euros cobriam o fundo do cesto de vime colocado junto ao trono da menina.

Jorge Serafim, presidente da adpBEJA, companheiro de muitos anos de Florival Baiôa, que se define como um contador de histórias tradicionais e um promotor do livro e da leitura, apresentou-se ao PÚBLICO do modo humorado que o caracteriza: “Sou o novo presidente da associação, e estou aqui no intervalo das minhas actuações” pelo país e pelo estrangeiro. “Está uma festa bonita e uma manhã cheia de vida, não está?”: uma pergunta que já tinha associada a resposta. “Queremos dar continuidade a uma tradição pela qual o [Florival] Baiôa lutou a vida inteira, depois de ter caído em desuso”, disse, frisando que o “simbólico mexe com a memória das pessoas”.

Jorge Serafim descreve a consequência de colher flores no campo: “Estamos todos com rinite alérgica e a tomar anti-histamínicos para combater o pingo no nariz. As farmácias ganharam com a rinite alérgica ", observa, com um sorriso que contagia os que o ouvem.

Um razoável número de pessoas confraterniza com as pequenas Maias, de flores presas nas máquinas fotográficas, nas orelhas, nos óculos, ao peito ou simplesmente trazidas na mão.

Em Beja, para celebrar as Maias, 17 crianças pediam um "tostãozinho" a quem passava, repetindo a ladainha: “Uma moedinha para a Maia que não tem saia” Carlos Dias
Em Beja, para celebrar as Maias, 17 crianças pediam um "tostãozinho" a quem passava, repetindo a ladainha: “uma moedinha para a Maia que não tem saia” Carlos Dias
Em Beja, para celebrar as Maias, 17 crianças pediam um "tostãozinho" a quem passava, repetindo a ladainha: “uma moedinha para a Maia que não tem saia” Carlos Dias
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Em Beja, para celebrar as Maias, 17 crianças pediam um "tostãozinho" a quem passava, repetindo a ladainha: “Uma moedinha para a Maia que não tem saia” Carlos Dias

“A festa das Maias continua lindíssima e não morreu”, conclui Jorge Serafim com uma sugestão final: “Nós somos feitos de uns e de outros. Nunca se esqueçam disso”. De seguida, fez a entrega dos diplomas de presença às pequenas Maias e alguns Maios, moços que fazem o papel de aios. O diploma apresenta uma gravura onde as flores são predominantes, da autoria de Susa Monteiro, filha de Florival Baiôa, autora de banda desenhada que organiza o Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja.

A adpBEJA fez uma pesquisa para saber qual a extensão da tradição das Maias na Europa e em Portugal. Em quase toda a parte, comemora-se apenas com a colocação de uma coroa de flores na porta. Só em Olivença é que a tradição se identifica com as festividades que se realizam em Beja.

As Maias na mitologia

Há 2000 anos, as Maias apresentavam-se vestidas de branco e coroadas de flores silvestres, andavam pelas ruas de Roma a chamar pela Prosepina, uma das mais belas deusas de Roma que, na mitologia romana, é filha de Júpiter e Ceres. Foi raptada por Plutão, enquanto colhia flores, para fazer dela sua esposa. Simboliza a pureza e a regeneração da natureza. “Era essencialmente venerada por mulheres, sendo os homens excluídos do perímetro sagrado dos seus templos”, assinalou a arqueóloga Filomena Barata, durante uma exposição sobre o tema, realizada na biblioteca de Beja em 2017.

Para os gregos, Maia era a mais velha das Plêiades, uma das sete filhas de Atlas e que, unida a Zeus, foi mãe de Hermes, o mensageiro dos deuses, conhecido por Mercúrio entre os romanos, considerado uma divindade agrária e da pastorícia.

A festividade atravessou todo o período medieval e até a Inquisição, resistindo às sistemáticas proibições e perseguições dos cristãos, conseguindo manter intacta a linguagem e o ritual.

As Maias só se realizam, desta forma, em Beja. Noutras regiões do país recorre-se às bonecas de palha ou pano ou, como no Minho e Trás-os-Montes, colocam-se flores nas portas. Há apenas um outro local onde a festa das Maias se assemelha à de Beja: Olivença.

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